No trabalho, na fila do banco, na igreja, no lar, no bar ou na praia.
Durante dias de profundas reflexões, em uma
experiência de total contato com sentimentos
tão antagônicos como a coragem, a fé, os temores e a razão, transitei pelas verdades dos profetas , pelas
sendas do sacrifício cristão, pelos “caminhos do meio” do Buda, pelos ciclos
personificados em Brahma,Vishnu e Shiva. Abracei também a Filosofia, da qual
preciso para compreender e explicar.
Quando baixei
novamente os meus olhos no plano das realizações horizontais, percebi que o
mundo das ideias e contemplações, embora seja um lugar seguro e por vezes
necessário, cheio de mistérios encantadores e desafios intelectuais, é também
um lugar repleto de divindades, mas vazio
da própria humanidade que o criou.
Quando por lá estive, sabia que lá permanecia por
um pequeno interregno. Um intervalo preciso, apesar da imprecisão das ideias e
emoções. Lá confirmei que o sentido da vida é a própria vida, com as suas lutas
inglórias, mas repletas de escolhas e de consequencias. Cada um escolhe para a própria
vida uma luta qualquer. Para aqueles que não elegeram uma batalha, a vida não
faz sentido. É apenas uma sucessão de dias e noites onde se procura substituir
construções verdadeiras por prazeres imediatos e efêmeros. Mas sabemos que isso
é uma questão cultural...
Agora aqui, escrevendo, pensei em alguns amigos que
me cobram leveza. Talvez seja para esses que escrevo. Para os que sabem que,
embora eu os sempre faça sorrir vendo graça em tudo, trago o peito carregado de
preocupações e responsabilidades. Gostaria
de pedir-lhes que desconsiderem as questões ideológicas. Esqueçam as
divergências entre os nossos “ismos” e apenas reflitam: Podereis dizer que o
mundo que nos cerca é um grande parque de diversões? Por mais que tenhamos o necessário para os
nossos, nada tendes a dizer diante da carência de muitos? As contradições não
vos incomodam?Não gostaríeis de viver em um mundo mais justo?
Um dos meus filhos dorme agora no sofá na minha
frente. Além da minha presença em sua vida, quero que ele se orgulhe também de
ter tido um pai que pautou a sua vida na tentativa de fazer uma revolução. Uma
revolução pequena, simples, atrelada à profissão, coisa de “peão”, de iludido. Quero
que diga que seu pai não pode lhe dar tudo, que tinha todos os defeitos do
mundo, mas sabia muito bem reconhecê-los e se perdoar. Que seu pai perdera o medo de assumir seus
sonhos, porque a expectativa do outro encarcera o liberdade humana.
Por falar em liberdade, me permitam mais alguns questionamentos:
do que vale poder se expressar e nada ter a dizer? Há liberdade na miséria? Há
liberdade na cidade sitiada? Na
violência gerada pela ausência do Estado? Não! Não defendo uma ditadura, defendo
a democracia verdadeira, na sua concepção mais profunda, como alternativa para
um povo que já se acostumou a viver mal e cuja desesperança é alimentada por
aqueles que enriquecem sobre miséria
alheia, que custeiam o luxo dos filhos com dinheiro público e que contam com a
passividade idiota dos alienados.
Por fim, gostaria de ressaltar a importância que
cada um de nós tem na construção da coletividade. Para muito além da caridade
material, transformando dor em ação, inércia contemplativa em mobilização,
História em experiência e fracasso em aprendizado. No trabalho, na fila do
banco, na igreja, no lar, no bar ou na praia.
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