Laguna de Araruama: história de vida
e renovação
A história da
relação entre a Lagoa de Araruama e os seres humanos data de cerca de 6.000
anos, quando os primeiros grupos humanos aqui chegaram, se estabelecendo nas suas
proximidades por períodos relativamente curtos. Tem início a ação antrópica (ação
do homem sobre o meio através das tecnologias disponíveis) nas margens laguna.
Como os primeiros grupos humanos eram formados por poucos indivíduos, a
intervenção humana era muito limitada, quase não se fazendo sentir, não fosse a
formação dos sambaquis a partir dos restos alimentares e sedimentos naturais
que se acumularam ao longo do tempo. Estes caçadores e coletores se
beneficiaram da abundante bioma da região, embora não possuíssem condições de
explorá-la em toda a sua potencialidade. Somente mais tarde, com a chegada dos
tupinambás acerca de 1500 anos atrás, o entorno da laguna passou a sofrer uma maior
influência humana, visto que esses índios possuíam um amplo conhecimento do
ecossistema local, sobretudo da laguna, ampliando o processo de exploração.
Ainda assim, o convívio entre os indivíduos e a natureza local se pautava em
uma relação de harmonia, até porque o seu esforço produtivo destinava-se à
satisfação das necessidades imediatas do grupo o que limitava o seu intuito
predatório.
Com a chegada dos
europeus no séc. XVI, a transformação da paisagem local se intensificou,
principalmente pela extração do pau-brasil. Nessa época, a laguna também foi
utilizada pelos portugueses como acesso e via de escoamento dos produtos
retirados do seu entorno. A grande
capacidade de produção natural de sal da Lagoa de Araruama, levou Portugal a
proibir o consumo do sal local, numa imposição do monopólio do sal português na
colônia Brasil. Mais tarde , no início do século XIX, o monopólio português
sobre a produção de sal foi extinto e a atividade salineira alteraria
sistematicamente o entorno da laguna. A
Lagoa de Araruama sempre desempenhou um papel primordial na ocupação e sustento
da região .
Durante o séc. XX, com o
crescimento desordenado das cidades que banha, a laguna teve o seu equilíbrio
natural violentamente abalado pela
poluição gerada pelo constante aumento populacional nas suas margens. O lançamento
de esgoto in natura foi a mais contundente ação humana sobre a maior laguna
hipersalina do mundo, contribuindo para a diminuição da salinidade da água e
favorecendo o surgimento de micro-organismos
que acabam com a transparência da água. A poluição também limitou a pródiga oferta dos
frutos lacrustes, seja pelas periódicas mortandades, ou pela natural evasão das
espécies, prejudicando as famílias que deles retiram o seu sustento.
Os esforços do poder
público para a recuperação da laguna têm contribuído para a sua revitalização.
A dragagem das áreas assoreadas tanto na laguna, quanto no Canal do Itajuraumentou
o fluxo das correntes reduzindo o tempo de renovação da água. A reordenação de
redes de esgoto, a construção de elevatórias e estações de tratamento reduziram
significativamente a nociva ação do esgoto sobre a laguna, mas a
conscientização da população, sobretudo das nova gerações, é muito importante
para o processo de revitalização . Quem tem acesso cotidiano às suas margens se
surpreende com a quantidade e a variedade de lixo que ali se acumula trazido
pelas correntes ou jogado diretamente no local. De lâminas de barbear a sofás,
de garrafas PET a computadores. De tudo se encontra.
Livrar a Lagoa de
Araruama do contato com os seres humanos está obviamente fora de questão, mas
repensar a qualidade desse convívio é muito importante. As milhares de famílias
que dela retiram o seu sustento deveriam ser as mais interessadas em promover a
sua preservação. A pesca predatória, com redes de malhas desnecessariamente
finas ou na época do defeso continua acontecendo, mesmo diante do pagamento da
“ajuda de defeso” pelo governo aos pescadores cadastrados. Por isso, juntamente
com as obras de revitalização faz-se necessária a adoção de medidas
educacionais de conscientização, trazendo para a comunidade o controle
informal, porém cotidiano, do gerenciamento da preservação da laguna.
Na história presente da
relação homem/Lagoa de Araruama, falta-nos atribuir a esta última, uma
quintessência, um ânima, que lhe elevaria à condição de entidade para que assim,
através do resgate desta reverência dos grupos humanos do passado, possamos
garantir às gerações futuras uma Lagoa de Araruama, literalmente, cheia de
vida.
Professor
Rogério Carvalho
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